INJUSTIÇAS
ARTICLES • 18-02-2015
INJUSTIÇAS

Buçaco, PORTUGAL


 
 
É incrível como somos tantas vezes injustos uns com os outros. Depois, pensando bem, talvez seja incrível não ser ainda pior.
 
 
É que cada um cria o seu mundo, e mergulhado na sua subjetividade vai inventando as justificações para o que vai acontecendo. E como sabemos relativamente pouco da vida uns dos outros, no sentido em que ninguém pode mesmo mesmo entrar na cabeça do outro, fica imenso espaço em branco por justificar.
 
 
Espaço que rapidamente nos atiramos a preencher, criando as explicações que faltam. Explicações que com certa probabilidade saem mesmo muito ao lado. E lá seguimos viagem, sossegados com um mundo fictício que, embora não agradável, é pelo menos um mundo cheio de explicações que compreendemos. Um mundo que faz mais sentido, mais seguro: afinal de contas já sabemos por que disse ele aquilo, ou fez ele aqueloutro. É porque é egoísta. É porque não gosta de mim. É porque já não quer saber. É porque eu fiz aquilo no outro dia. Para se vingar, tenho a certeza. Só pode!
 
 
E agora, compreendida que está a trama, toca de reagir em conformidade! E esquecendo que acabamos de criar um filme onde o enredo pode bem não ser o real, continuamos em cena a representar o papel que nos caberia caso os personagens tivessem mesmo pensado e feito e achado aquilo que nós inventamos que pensaram, fizeram e acharam.
 
 
Mesmo não batendo a cara com a careta, mesmo perante a estupefação alheia, carregada desse semblante de quem foi tremendamente injustiçado, calando por isso uma fúria de pura indignação, mesmo assim, dizia, a nossa cegueira é tal que o calar do outro só vem dar razão ao que sempre achamos. No nosso mundo tudo confirma a criação inicial, sempre nós os senhores da razão, para quem nenhuma outra alternativa caberia, absortos nessa realidade segura, que afinal é falsa, mas que já nos domina, nos contém, nos pulveriza a sensibilidade para ouvir o que contraria a crença...
 
 
Discutimos então à luz do que julgamos saber, insultamos quem não fez o que achamos que fez, e tomam-se atitudes condizentes com as atitudes que inventamos no outro, até que finalmente também ele sintoniza no modo bélico, esse lugar onde agora se vomitam mágoas contidas, onde até se dizem mentiras só para ferir, porque nos temos que defender, e se é guerra, é guerra. Quando afinal já ninguém tem razão, porque nada daquilo é assim.
 
 
Embebidos num sentimento corrosivo de tremenda injustiça, frustrados depois de tanto esforço em tentar a sério ser o melhor que sabemos ser, só apetece baixar os braços e deitar tudo a perder.
 
 
É! No mínimo notável o ser-se humano, potencialmente dramático e trágico no mais banal dos quotidianos... e digo eu: à cautela, duvidemos do mundo que inventamos!
 
 
 
Gonçalo Gil Mata
 
 
 

 
 

INJUSTICES

 

It’s incredible how often we are unfair with others. Afterwards, thinking about it, maybe it’s incredible not being even worse.

 

Each one of us creates its own world, and diving in its subjectivity we go along making up justifications for what’s happening. We know little about each others’ lives, because no one can really really go in the other’s head, so a lot of space remais to explain.

 

Space that we promptly try to fill, creating the lacking explanations. Explanations that with some probability totally miss the target.  And we keep on our journey, calmed by a fake world that, although not pleasant, is at least a world full of explanations we can understand. A world that makes more sense, safer: we know why he said or did that after all. It’s because he’s selfish. It’s because he doesn’t like me. It’s because de doesn’t care. It’s because I did that in the other day. It’s revenge, i’m sure. It can only be!

 

And now, hence the plot is understood, we shall react accordingly. And as we forget we’ve created a movie where the plot is likely not the real one, we remain on scene playing the role that should be ours if the characters had thought and done exactly what we invented they thought, did and meant.

 

Even if the book doesn't match the cover, even in front of other’s stupefaction, filled with the face of whom was tremendously wronged, hushing a fury of pure indignation, even so, as I was saying, our blindness is so big that the other’s silence only strengthens our theory. In our world everything confirms the initial creation, always us being the lords of reason, for whom no other alternative would fit, entirely swept by that safe reality, that’s after all fake, but already dominates us, contains us, pulverizes our sensibility to hear what is against the belief...

 

We then argue based on what we think we know, offend those who didn’t do what we thought they’ve done, and we take on attitudes that are consistent with the attitudes we made up about the others, till finally he also synchronizes the warlike mode, that mode where now contained sorrows are being vomited, where even lies are said just to hurt, because we have to defend ourselves, and if it’s war, it’s war. When anyone is right anymore, because none of that is that way.

 

Embedded in a corrosive feeling of great injustice, frustrated after so much effort to really try to be the best we know, we only want to  throw the towel and give up.

 

Indeed! Remarkable the being human at the minimum, potentially dramatic and tragic in the most common daily life... and so I say: just to be safe, lets doubt the world we make up!

 
 
 
 
Gonçalo Gil Mata

 

1 comment
Florbela
Eu só acrescentaria: "o que pensamos é apenas um filme a ser projectado numa tela mental"
in 2015-02-25 15:10:04
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