Quando em 1999 surgiu o filme "MATRIX", a par de vários outros dentro do mesmo género - uma espécie de vaga cinematográfica dedicada ao mundo da realidade virtual (Dark City, eXistenZ, ...) - recordo-me de ter ficado maravilhado. Isto é, a ideia de que poderíamos estar a viver num mundo que é fabricado e até simulado através dos nossos sentidos, sem ser verdadeiro cá fora, é no mínimo cativante.
Recordo-me do meu estado depois do filme: meio meditativo, meio hipnotizado, meio fascinado: "já viste? e se fosse mesmo realidade? e se estivéssemos agora mesmo metidos em casulos e a ser sugados?" "não teríamos a menor noção de que isso estava a acontecer!!!" "é impossível distinguirmos o que são estímulos exteriores reais ou a fabricação desses estímulos diretamente no cérebro! é incrível!".
Hoje, muitos anos depois, muitos livros depois, muita dedicação depois ao mundo da perceção e da cognição, e muitas, muitas de horas de coaching a ver transformarem-se à minha frente experiências existenciais de pessoas verdadeiras, sem que necessariamente o seu contexto cá fora tenha mudado significativamente, relembro as palavras de Morpheus:
"Have you ever had a dream, Neo, that you were so sure was real? What if you were unable to wake from that dream? How would you know the difference between the dream world and the real world?"*
A dimensão extrema da nossa subjetividade nunca está ao nosso alcance. Nunca constatamos verdadeiramente até que ponto estamos a criar o nosso próprio mundo. Até que ponto a nossa representação mental do que acontece é enviesada no próprio momento da perceção, da captação dos estímulos...
E, claro, o nosso mundo inteiro oscila quando essa plataforma cognitiva oscila, quando o nosso estado mental varia. O mesmo problema que ontem parecia desesperante, hoje de manhã pode surgir como um mero detalhe insignificante e perfeitamente ignorável. Uma mesma discussão de dias inteiros a provocar uma autêntica guerra doméstica para provar de uma vez por todas quem estava certo e quem estava errado, na semana seguinte pode bem parecer uma birra infantil difícil de conceber entre dois adultos. Uma mesma situação profissional ou financeira pode oscilar entre um assustador beco sem saída e uma simples estrada longa que há que percorrer.
Não tenho como argumento que não existe um mundo real. Parece-me pouco provável que o mais incrível mestre Zen convença a senhora que está na caixa do supermercado a deixá-lo levar as compras sem pagar. O mundo cá fora tem regras, como um qualquer jogo de cartas. X pontos para isto, X pontos para aquilo. E viver à margem dessas regras parece-me um exercício arriscado e pouco produtivo.
Mas, o significado que atribuímos às coisas reais, a esse sistema de pontuação, a conversão que aplicamos entre as circunstâncias serem o que são e o que isso implica em termos do que há a fazer, e, principalmente, em termos do que nos autorizamos a sentir perante essas circunstâncias, isso já é outra história. É aí que somos puro potencial. É aí que o mero constatar de que fabricamos em permanência a nossa própria realidade traduzida, pode fazer a diferença. Pode redirecionar a nossa atenção não para as circunstâncias específicas e os mega-planos para tornar o mundo exatamente naquilo que julgamos querer, mas sim para o estado mental que converte essa vivência numa experiência pessoal, única, inimitável, diferente para cada pessoa.
É esta plataforma que está ativa em todos os momentos da nossa vida inteira que dita o que é a nossa experiência. E perceber isso é especialmente libertador quando não lhe associamos uma tentativa manipulativa do género: "então quero poder mandar no meu pensamento, condicioná-lo e mandá-lo pintar tudo de cor-de-rosa". Porque aí estaremos na mesma dentro da matrix... a seguir as instruções de que determinado sentimento é melhor ou pior que outro. De que cor-de-rosa é melhor que negro.
Há um salto subtil que promete algo diferente: e se todos os sentimentos fossem apenas sentimentos? E se não tivéssemos que corrigir o mundo sempre que ele não bate certo com o nosso manual de instruções? E se mudássemos de manual de instruções? E se... não quiséssemos de todo um manual de instruções externo, porque cá dentro a nossa direção está suficientemente clara para saber para onde dirigir as forças?...
Para sair da Matrix, todos temos que ter um momento Neo... um momento em que somos confrontados com o facto de que... a realidade que pensamos, que produzimos, que criamos minuto a minuto no nosso pensamento, não é A Realidade...
Spoon boy: Do not try and bend the spoon. That's impossible. Instead... only try to realize the truth.
Neo: What truth?
Spoon boy: There is no spoon.
Neo: There is no spoon?
Spoon boy: Then you'll see, that it is not the spoon that bends, it is only yourself. **
PS - Relembro que estão abertas as inscrições para o REINVENTION DAY 2017, e que o preço especial para as primeiras isncrições termina já na 2a feira (03JUL)! Uma oportunidade única para desmontar algumas realidades e aceder à liberdade de criar de novo e de nos reinventarmos. Espero ver-vos por lá...
*"Alguma vez tiveste um sonho, Neo, que te pareceu mesmo mesmo real? E se não fosses capaz de acordar desse sonho? Como saberias a diferença entre o mundo do sonho e o mundo real?"
** Spoon boy: Não tentes dobrar a colher. Isso é impossível. Em vez disso... tenta apenas constatar a realidade.
Neo: Qual realidade?
Spoon boy: A colher não existe.
Neo: A colher não existe?
Spoon Boy: Então verás, que não é a colher que dobra, apenas tu.
Matrix, 1999