Mindelo, PORTUGAL
É habitual nos meus seminários pedir a certa altura para os participantes fazerem um "mindsweep", isto é, um varrimento mental - uma listagem de todas as atividades que estão, naquele preciso momento, a ocorrer na mente, para além do próprio seminário. O exercício é equiparável ao "task manager" de um computador: uma certa consciência da máquina sobre si mesma, em termos do que está a ocupar o processador e a memória.
Embora em tempos me fizesse confusão que, a tantas pessoas, não lhes ocorra nenhuma atividade, hoje em dia isso já não me surpreende. Sei que criar a sensibilidade para reconhecer ruído mental é um exercício avançado. E, já agora, de potencial evolução sem fim. Isto é, à medida que treinamos detetar o que se está a passar cá por dentro, vamos descascando a cebola. Nesse progresso, o que em tempos nos pareceu uma mente relativamente serena, pode bem mais tarde surgir-nos como um diálogo interno excessivo, num sentido que cada vez maior tranquilidade interior e intensidade de entrega em cada momento.
A par dessa sensibilidade, vem também um mecanismo quase inato de sossegar esse ruído. E que é uma atividade muito mais passiva do que ativa. Só por compreender o que se passa no palco mental, quase automaticamente criamos as condições para que sossegue, se deixarmos. Para sossegar, queremos que a mente se distraia. Por exemplo, respirar é ótimo para gerir esse foco atencional. Respire fundo e note. Não, a sério, quero dizer, faça lá a experiência, mesmo: duas respirações profundas e lentas, a testar o limite dos pulmões. Pode ser agora, que ninguém está a ver... humm... será que pode?
Poderia discorrer sobre os mecanismos fisiológicos e mesmo psico-somáticos associados ao exercício, mas prefiro salientar algo bem mais simples: a permissão. Autorizarmo-nos tirar dois segundos para respirar não é tão fácil como possa parecer. Como parar, na praça que atravesso, e sentar-me num banco de jardim por dois minutos? A perceção de ameaça é forte: o perigo de que podemos não estar a correr o suficiente ou a fazer o suficiente, ou de que tal distração nos pode custar caro.
Treinamos há muito uma atenção constante, quase uma tensão constante. E é tão habitual, tão presente, tão pervasivo, que se confunde com o ar que respiramos. Estamos lá, mergulhados, no meio do computador. Daí que saber que tarefas estão a correr seja muito difícil. Por sermos tarefa. Um task manager exige um passo atrás, exige subir de altitude, exige distanciarmo-nos do ruído para criar silêncio de onde podemos monitorizar, de fora, o que se passa lá dentro. Teremos autorização para isso? Para acalmar e dar um saltinho lá fora, a ver o que se passa cá dentro? Será seguro?
Sossegar a mente e "mindfulness", parece-me, não é apenas uma moda. Nem sequer é novo. É apenas um movimento natural no sentido da eficiência. Não só o bem-estar está em causa. Fazer decisões mais acertadas, liderar com mais consciência, criar sinergias interpessoais, libertar criatividade na resolução de problemas complexos, ou, tão simplesmente, ouvir um amigo ou familiar sobre um momento difícil, são competências que se elevam a um patamar de excelência pelo simples facto de gerirmos melhor o processador, uma tarefa de cada vez.
A pergunta chave é: o que teria que acontecer para nos darmos permissão a tal "luxo"? A vida resolvida? Uma conta recheada? Filhos criados? Muito amor? A medalha de ouro nas olimpíadas das listas de tarefas? Ou será algo diferente? Algo até que, quem sabe, já aí está, e que se vê melhor que já aí está com menos ruído interno?
Para explorar, respire um pouco! Deixe que se sossegue a alma...
Gonçalo Gil Mata
A pedido de algumas pessoas que não conseguiram ver a entrevista com o João Fernando Ramos, aqui fica o link.