CAPTURAR O MOMENTO
25-09-2018
CAPTURAR O MOMENTO

 


 
Todos nos esforçamos por capturar o momento. Na câmara fotográfica. Na memória. Para dele nos despedirmos, para o revivermos depois. Possivelmente ignorando que nesse esforço consciente está uma armadilha: a de ter o processador atento, sempre engatilhado no cálculo do que há a fazer para melhorar um qualquer "depois" no tempo. Na eficiência perdendo-se parte do sentimento. Aquele que habita numa zona especial para lá do intelecto, para lá do juízo de valor. Para lá do cálculo, e sem querer saber do futuro.

Todos queremos a profundidade existencial mágica e inebriante que vem quando todos os sensores se disponibilizam para sentir e vibramos com o que nos rodeia, com o que sentimos, a 100%. Mas ninguém quer abrir mão do planeamento e da check-list que uma vez cumprida promete boas oportunidades para esses momentos, algures no futuro.
 

Um incrível pôr-do-sol, neste silêncio na tua companhia, a perfeição do momento pleno, e logo um lembrete mental de que podia ir ali buscar o telemóvel para fotografar, gravar, para não me esquecer depois, para capturar, para aprisionar, para possuir. Mesmo se o que sinto agora é a liberdade de nada ter que ter. Ir buscar um telemóvel que provavelmente até terá uma nova mensagem do WApp por ler... Pufff! E lá se foi a perfeição. Ainda lá está o sol, claro, só não está a mente livre. Jogo difícil de jogar este de perseguir a própria cauda...

E o truque de o conseguir, a fórmula que nos permite sintonizar com o mundo de forma plena, e ter vislumbres de paz que tudo justificam, que a tudo dão sentido, o truque e a fórmula, dizia, são o não truque e a não fórmula. Por estarem para lá da lógica da causa e da consequência. Para lá da mobilização de ação para atingir um objetivo. Essa magia é, por assim dizer, um objetivo que não o pode ser para que seja atingido.
 

É difícil ver, mas convém relembrar: existe um espaço onde, sem classificação, sem avaliação, sem que seja melhor, apenas estamos. Omnipresente, como um campo magnético invisível que tudo explica, esmorece com a nossa vontade de o tocar.

E é muitas vezes na nossa desistência de o ter, que ele nos abraça de forma meiga, quase voluptuosa, com uma intensidade fustigante, que no momento em que nos preparamos para compreender como se faz para estar nesse sítio nos atira violentamente de volta à nossa vidinha do dia a dia, e às preocupações do costume, que nunca vemos que são inventadas por nós, para alimentar essa fábrica do tem que ser...

 
 
 
 
 
Gonçalo Gil Mata
 
 
 

 

(Foto: LUXEMBURGO)

 

 

 

 

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