Tiznit, MARROCOS
Alimentamos uma certa utopia existencial. No formato típico: "quando tiver mais dinheiro, quando tiver mais tempo, quando me reformar, quando... aí então é que vai ser". Ou então "aquele ali é que tem sorte, que vida, quem me dera, ...".
Acredito que esta noção distante da vida que poderíamos ter se, se, se..., acaba por nos afastar de poder efetivamente realizar certas coisas que podemos realizar, e que embora não tão grandiosas, possam no seu todo resultar numa vida muito completa. Viagens, por exemplo. Muitos acreditam que gostariam imenso de passar a vida a viajar. Tipo nómadas. Mesmo sem saber o que isso é. E rapidamente se lembram de exemplos onde gostariam de ir, ou amigos que estão emigrados que queriam visitar se a vida deles fosse viajar. Mas depois pergunto-lhes quem foram visitar o ano passado e respondem-me que não deu jeito e que isto e aquilo.
Eu acho que é no ano passado que se lê o que tem sido a nossa vida. Na semana passada leio o nível de cumprimento das idas ao ginásio. No último fim de semana leio o humor do casal. Ontem leio a qualidade da minha alimentação. Hoje, há cinco minutos atrás, leio a minha felicidade. Como tem sido, confronta esse ideal inatingível. O concreto confronta a generalização. O realizado confronta o impossível.
Façamos já, agora, aproveitando o tempo que se evapora. Vamos lá a montar o tal negócio, a tal aventura, a tal experiência, visitar o tal irmão, fazer o tal sumo natural, fazer a tal massagem, oferecer as tais flores sem motivo, fazer aquele elogio, dizer o que não dissemos ainda e queremos dizer, hoje, já, sem a preocupação do sempre e do para sempre. Sem remeter para um dia mais tarde. Uma vez, e não mil, se só uma houver. Sem tropeçar na utopia. Construindo o todo a partir de episódios avulsos, porque hoje está a contar, e amanhã a vida sempre nos escapa entre os dedos...
Gonçalo Gil Mata
Gostei do pensamentoy