APRENDER A TENTAR MENOS
ARTICLES • 28-11-2016
APRENDER A TENTAR MENOS

 


 

 
 
Bússola. Direção. Rumo. Procuramo-los sem piedade. E, no entanto, temo-los. Sempre. Mesmo se temporariamente invisíveis.
 
Sabemos que algumas fórmulas nos dão grande ajuda. Leis da vida: "uma maçã cai da árvore acelerando a 9,8m/s2"; "quem souber trabalhar muito, safa-se sempre"; "é importante ser feliz"; "a vida custa muito"; "temos que ter regras". Enfim, cada um inventa as suas.
 
Muitas destas fórmulas estão cá dentro. Dignamente construídas. Mas sem grande contemplação pelo contexto em que foram criadas. Nem pelo seu provável grau de desatualização. As que expiraram a sua validade, a sua utilidade, podem bem continuar nas nossas prateleiras, prontas a consumir. Prontas a orientar-nos, fixamente, cegamente, sem a maleabilidade adaptativa que a vida exige. Não lhes olhamos ao mofo. Não lhes vemos o bolor.
 
 
Por detrás da busca incessante pela fórmula certa, a fórmula de todas essas fórmulas, por detrás da vontade disciplinada de tentar fazer o que é suposto para acertar no prémio, pode estar um motor gasto, cujo combustível é uma frase repetida, um pensamento recorrente: "devo estar a fazer qualquer coisa errada!"; "talvez não me esteja a esforçar suficientemente."; "tenho que tentar com mais força..."; "nunca aprendo". E outra vez, cada um inventa estas suas lengalengas.
 
 
É preciso saber tentar menos. Porque às vezes estamos a tentar a mais. Demais. Falhando por ser tanto. Um paradigma que me parece cada vez mais presente. A própria negação do equilíbrio: uma procura desequilibrada por ele. Castrador por natureza de estados mentais de serenidade.
 
 
Há mais simples do que a corrida desenfreada pelos passos certos. Existe cá dentro uma outra orientação. Numa origem que requer outro silêncio para se ouvir. Fora desses manuais de instruções tão infalíveis quão inimplementáveis. Tão lógicos quão absurdos. Há outra maneira. Sem querer agradar a todos. Sem querer ter mais auto-conhecimento. Sem querer mais e mais controlo. Com menos regras. Menos disciplina. Uma outra orientação que se ouve principalmente quando ficamos livres de termos que ser obrigatoriamente felizes. Incomodamente obrigados a ser felizes. Desorientadamente felizes. Felizes pela orientação que alguém inventou, de fora, sem vir de dentro.
 
 
Procuramos ansiosamente, em pleno esforço. E quando se cansa essa perseguição esforçada de uma fórmula que não existe, vem o desalento, se temos sorte. Digo sorte, porque o desalento traz algo de bom: na desistência há espaço para ver mais além.
 
Queremos um estado de paz, que se caracterize por ausência de ansiedade, não pela ausência de velocidade. Pela certeza de que tudo já está no sítio em que tem que estar, mesmo que se movimente de forma incerta, imprevisível, num rumo ora mais estável, ora mais volátil.
 
Para lá do normal ciclo, normal processo, normal ruído, existe espaço. Quando nos desalentamos existe espaço. Quando se atrasa cansada a locomotiva da vontade, cansa-se também o pensamento, oxalá, e então há uma oportunidade para lhe passarmos à frente. Numa visita de exploração ao que ainda não foi atropelado pela costumeira ladainha. Lá onde o pensamento viciado ainda não existe, e há somente espaço novo, fresco, por explorar. Espaço para novas histórias.
 
 
Sim, queremos sentirmo-nos amados e ter a segurança de um colo sempre à mão. E entusiasmo e tempo e paz, e muito mais coisas. E teremos tudo isso. Mais rápido se soubermos que conseguimos aguentar a espera. Que essa espera cabe na história que ainda não conhecemos.
 
Longa história esta que escrevemos dia-a-dia. Anos, décadas... vidas. Deixemos que seja uma história livre. Autorizemos que tenha potencial para ser diferente de todas as histórias que hoje já sabemos contar!
 
 
 
 
 
 
Gonçalo Gil Mata
 
 

 

(Foto: Ain Leuh, MARROCOS)
 
 
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