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Faz hoje 10 anos. Da janela da minha hostal, em Buenos Aires, era isto que via. Dois lixeiros curiosos e simpáticos, tão espantados com a mota como eu. Nunca a tinha visto tão equipada. Nunca a tinha guiado tão carregada. Nos primeiros quilómetros de estrada, parecia um barco. Comigo incluído, 400kg de peso no total, ondulando num alcatrão meio derretido sob 40º. Puro verão na Argentina.

 

Depois de vários dias de complicações para desalfandegar a mota, para trás e para a frente de taxi na capital argentina, entre edifícios de burocracias e umas aulas de tango pelo meio, fazia finalmente os primeiros quilómetros de tantos que viriam: 40.000! De puro prazer. De pura exploração e aventura. Coisas muito loucas acontecem quando percorremos uma distância desta natureza. É inevitável que assim seja e, em boa parte, é esse o próprio motivo da empreitada.

 

 

Todos temos sonhos adormecidos. Ou encruzilhadas no caminho do costume. Desvios que nos piscam o olho para algo inteiramente diferente. Atalhos que, uma vez tomados, se tornam irreversíveis, alterando por completo tudo o que conhecemos. 

 

Nem sempre os tomamos, mas há sem dúvida uma certa adrenalina na mera ideia de mudar tudo de repente. A hipótese de baralhar outra vez todos os planos. A ponta do abismo que promete um mergulho no desconhecido, tão incerto quanto libertador.

 

Agarramos a oportunidade e vamos? Jogamos pelo seguro e ficamos? Adiamos a decisão, correndo o risco do tempo decidir por nós?

 

 

Há 10 anos atrás tive um desses momentos na minha vida e decidi arriscar o atalho. Resolvi partir. Partir não apenas no mapa, mas partir de mim mesmo. De um "eu" que deixei para trás, parado no tempo, envergando uma mochila cheia de outras hipóteses, uma outra carreira, um outro dia-a-dia, uma outra vida. Deixei esse "eu" parado no tempo, à espera para sempre. Numa interrogação eterna de "como teria sido se o tivesse deixado prosseguir o seu caminho?".

 

Já não penso que podia ter sido nem melhor nem pior. Vejo hoje mil "eu's" espalhados pelo caminho fora, nesta viagem do tempo. Clones personificando tudo o que podia ter sido mas que acabou por não ser: mil sentinelas, paradas, de mochila às costas, como que à espera de instrução para avançar e desnovelar a sua bagagem de promessas, mas para sempre paradas. Dou-me bem com isso.

 

 

O BuenaYork, nome que dei ao meu projeto de ligar Buenos Aires a Nova York de moto, mais do que uma mera viagem insólita, foi claramente um dos marcos mais radicais e irreversíveis da minha vida. Uma espécie de bungee jumping existencial.

 

Da vida passada pouco sobrou. Foi uma mudança definitiva, repleta de indefinição e casualidades notavelmente imprevisíveis. E muitas telas em branco. Onde se pode desenhar qualquer coisa. Essa é a magia de mudar: abre portas à hipótese de voltar a ter espaço livre para criar, para sonhar, para reinventar. E ao mesmo tempo é também o que mais assusta: como escolher mudar se não sabemos o que vem a seguir? Como comparar?

 

Mas mudar não vem do comparar, vem do ser. Acredito que estamos desenhados para mudar e evoluir no sentido do que nos realiza. Sem ter que o decidir por comparação. Sem dúvida que o medo do desconhecido pede juízo e estabilidade, e bem, faz o seu papel importante. É no equilíbrio destas duas forças que está o truque. Ter consciência e paciência, mas também coragem e ousadia para libertar vida: para que a vida possa ser tudo aquilo que quer ser. Para isso, é preciso saber reconhecer o desassossego da alma e seguir viagem quando é isso que faz sentido... Seja isso abandonar um emprego, uma relação, uma casa, um país ou uma vida. Ter a presença de espírito para largar o travão e respeitar a natureza mutável da nossa existência.

 

 

Para comemorar os 10 anos da minha viagem, a Verso de Kapa reeditou o livro que escrevi sobre essa aventura: o BUENAYORK. Resolvi relembrar também o blog - buenayork.com - onde fui publicando de 3 em 3 dias as crónicas que, compiladas, formam esse livro. E nele vou republicá-las, ao ritmo da viagem, como em 2007, embora cada uma vá estar disponível apenas por uns dias. Serão 7 meses de viagem, 7 meses de relatos empolgantes e bem aventureiros. E muitas fotos inéditas. No instagram, diárias.

 

Também vou partilhar no FB aqui do WhatsTheTrick cada um desses posts do BuenaYork, mas para quem gosta de viagens, fica a sugestão de acompanhar diretamente, pelo FB "BuenaYork" ou pelo site "BuenaYork.com". Tenho a certeza de que vão gostar de conhecer ou relembrar.

 

O livro, de capa renovada, e incluindo também todo o relatório da viagem - custos detalhados, patrocínios, logística de transporte da mota, equipamento, mecânica, etc... - está à venda já a partirde hoje (10 de fevereiro de 2017), a desafiar os que sonham a fazer também, por não ser assim tão complicado.

 

Boa viagem!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

"BuenaYork" volta 10 anos depois. Estará a partir de hoje nas livrarias. Venha daí reviver esta aventura!