DEATH, MIND & INFINITY
ARTICLES • 22-07-2014
DEATH, MIND & INFINITY

Tikkal, GUATEMALA


 
 
Podemos esperá-la toda uma vida. Podemos racionalizar sobre a sua naturalidade. Podemos até aceitá-la como lei, num quase treino mental que tenta dar-lhe sentido. Porém, quando chega, a morte esbarra-se-nos de frente como um camião. Uma digestão difusa, em ligeiro atraso, como quando a faca vai longe demais e se entranha na carne, o corpo já sabendo, a mente apercebendo-se um instante depois: irreversível...
 
 
Computar infinito, mesmo em sistemas teóricos como a máquina de Turing, foi sempre um conceito desafiante. A nossa mente, em particular, parece dar-se mal ao tentar apropriar-se de linhas retas que se tocam no infinito, espaços do universo em expansão onde ainda não chegou a luz, ou big bangs num tempo antes de existir tempo, num espaço onde ainda não havia coisa alguma. E também se dá mal ao tentar imaginar o "nunca mais", porque simplesmente não cabe.
 
 
A morte é um violento pedido de representação de "nunca mais". Muitas vezes feito por entre um ambiente sóbrio mas de partilha e ligação, de pessoas, de família, de algumas graças e reencontros felizes num pano de fundo ameno de um velório, de um funeral, de um enterro. É no meio deste disfarce sossegado que sinto surgir, quase inesperadamente, convites repentinos à vertigem de calcular esse infinito. Pessoalmente, chega-me por certos sons. Numa acústica que se destaca, carregada de significado, desse selo eterno: uma batida seca ao fechar-se a urna, a engrenagem de uma fechadura que roda, a mala do carro fúnebre a bater... Tudo portas para esse infinito. 
 
 
E, claro, o coveiro, esse músico supremo do "nunca mais", depois da introdução da pesada madeira a fazer ranger cordas, afunda o metal afiado da pá, num arranhar de fósforo, logo em seguida a primeira terra abatendo-se com um estrondo irreal num perfeito tambor de orquestra, eco bruto que estremece a alma. E choramos, porque é bom, porque suaviza, porque lima as arestas vivas desse buraco que se cria, dessa estranheza da falta, de um pilar interior arrancado à força.
 
 
Dói, é certo, mas sofremos menos quando lembramos, por outro lado, que há muito que não desaparece. Que há muito que fica e ficará sempre. O símbolo, a lenda, a aprendizagem, o humor, o exemplo, aquela frase especial que nos tocou naquele dia e que continuará a pertencer-nos, uma expressão de rosto ou um olhar cheio de vida, cheio de mensagem, que recusam desaparecer. Até mesmo um raciocínio, uma opinião, acessíveis quando queremos: "o que me diria se cá estivesse?". Há tanto que fica para sempre!... Tanto que é impossível perder-se!...
 
 
Se é verdade que não podemos computar numa máquina finita um número infinito, se nem o tempo nem a morte nem a natureza da vida caberão algum dia na mente humana, se é tudo um jogo de conceitos sem representação viável na nossa limitada estrutura cognitiva, deixemos pelo menos que essa ideia algo assustadora de um abrupto "nunca mais" se associe livremente às memórias felizes que estarão perto num tranquilo e seguro "sempre".
 
 
Grato por esse privilégio!
 

 


 
 
 
About death and other mental infinities
 
 
We can wait for it our whole lives. We can rationalize on it being natural. We can even begin to accept it as law, in some sort of mind training attempt to make some sense out of it . Nevertheless, when in comes, death hit us as a 20 tons truck at a 200 miles speed. A diffuse digestion, in a slight delay, much like when the knife goes way to far and penetrates the flesh, the body already knowing, the mind reckoning it the instant after: irreversible...
 
 
To compute infinte, even in theoretical systems such as the Turing machine ha always been a challenging concept. Our mind, in particular, seems to have a few problems when trying to get a grip on straight lines that touch each other in the infinite, expanding universe spaces where light has yet to come, or big bangs from a time before there was a time, in a space where there was still nothing. And it also gets in trouble when trying to picture the “never more”, just because it simply does not fit.
 
 
Death is a violent request of “never more” picturing. So many times done in the midst of a sober environement, but also filled with sharing and connection, of people, of family, of some graces and fortunate re-encounters in the soft set of a service, a funeral, a burial. It is in the middle of this quiet disguise that I feel the awakenig, unexpectedly, of sudden invitation to the vertigo of infinite calculation. Personaly, it arrives to me by a certain sounds. In a revealing acustic, loaded with meaning, of this eternal stamp: a blunt din when closing the coffin, the spinning gear of a lock, the trunk of the funeral car shutting... All doors to that infinite.
 
 
And of course, the gravedigger, that supreme musician of the “never more”, after the heavy introduction of the wood making the ropes screak, sunks the sharp metal of the shell, in a match scratch, thereatfer, the first dirt falling with an surreal bang as a perfect orchestra drum, rough echo that shakes the soul. And we cry, because it’s good, because it softens, because it smoothens alive edges of that whole being created, of that weirdness of the loss, of a forcely ripped pilar.
 
 
It hurts, for sure, but we suffer less when we remember, on the other hand, that there is a lot that never fades away. That there is a lot that remains, and will forever. The symbol, the legend, the learning, the humor, the example, that one special sentence that, in that day, touched us and will continue to belong to us, a face expression or a full of live look, filled with meaning,that refuses to vanish. Even a thought, an opinion, reacheable whenever we want: “what would he say if he was here?”. There is so much that remains forever!... So much that it is impossible to lose!...
 
 
If it’s true that we can’t compute an infinite number in a finite machine, if even time, or death, or nature will ever fit in the human mind, if everything is a game of concepts with no viable representation in our limited cognitive structure, at least let us leave that scary ideia of an abrupt “never more” associate freely to the happy memories that will always be around in a quiet and safe “always”.
 
 
Greateful for that privilege!
 

 

1 comment
Joana Costa
Parar de tentar computar e simplesmente aceitar, para aproveitar e estar grato por cada momento, cada segundo que estamos vivos e partilhamos a experiência com os "nossos" e com o mundo.
in 2014-07-22 10:16:54
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