MUDA DE VIDA
ARTICLES • 11-09-2015
MUDA DE VIDA

Serra da Estrela, PORTUGAL


 

 

A nossa profissão, emprego, trabalho, atividade, ou o que quer que lhe chamemos, tende a ocupar muito do nosso tempo. Para muitos, 8 horas por dia, ou perto disso. Para outros, ainda mais, principalmente se contarmos com a constante presença tecnológica de ter no bolso os emails a toda a hora, inclusive nos fins-de-semana, se calhamos de não decidir fronteiras claras.
 
 
No fundo, Trabalho representa uma gigantesca fatia do nosso tempo de vida útil: mais de 40 anos, com tendência a aumentar. Para quem tem 45 anos de idade, por exemplo, e trabalha há 20, está meramente a meio da sua carreira. Isto é um facto que nunca me deixa de surpreender: "trabalho há 20 anos e nem cheguei a meio - o que quero fazer com o resto da minha carreira?"
 
 
É promissor, mesmo sabendo que muitos de nós terão uma motivação decrescente para arriscar, à medida que, pela idade, o conforto ganha peso. Isso nem é bom nem mau. É o que é. Mas notemos que pode sempre ser desafiado... Não faltam biografias de famosos, que só muito tarde produziram obra. Ainda há pouco notei com espanto que José Saramago publicou o seu primeiro romance verdadeiramente reconhecido - Levantado do Chão - com quase 60 anos, tendo conhecido a Pilar aos 64! Penso muitas vezes, por isso, na pergunta que se mantém válida por tanto tempo na nossa vida: "O que queres ser quando fores grande?".
 
 
Há mil hipóteses possíveis para o que queremos fazer profissionalmente. Tantas, que chega a ser assustador, pela responsabilidade de escolher. Pelo medo do irreversível, ou do desperdício. Afinal uma carreira especializada toma muito tempo de aprendizagem e investimento, o que por um lado acresce ao esforço de acertar no caminho. Mas, por outro, não necessariamente. Há quem viva confortavelmente na especialização da diversidade, na polivalência, saltando de experiência em experiência, chegando ao fim com 10 carreiras todas diferentes entre si.
 
 
Independentemente do caminho, no entanto, é importante reconhecer que, por ser tão grande o peso da profissão na nossa vida, é inevitável que nos identifiquemos com o que fazemos. Até porque o nosso trabalho representa o nosso enquadramento social enquanto contributo na sociedade. Representa a nossa utilidade enquanto cidadão. Dá-nos o sentimento de adequação social e de pertença por ajudarmos a rodar essa gigantesca engrenagem da economia, que mais não é do que uma fórmula um pouco mais complexa do antigamente: eu tenho galinhas, tu tens hortaliça, trocamos?
 
 
Como tal, para quem falha a perceção da utilidade do seu contributo profissional no atual emprego, ou para quem está temporariamente sem oportunidades de expressar o seu valor e o seu potencial, é muito fácil cair num certo desalento. É fácil confundirmos quem somos com o que fazemos, mesmo quando o que fazemos hoje não é o que queremos ser.
 
 
Penso sempre que o pior já passou. Ao contrário dos media, que vivem do negócio das más notícias, porque essas vendem melhor, acredito que nos espera um gigantesco mar de oportunidades. Para mudar, para procurar melhor, para conquistar espaço e liberdade de contribuir com o valor que cada um tem. 
 
 
Sendo qualquer momento um bom momento, parece chegado um momento especialmente bom de lançar mãos à obra... seja mudando, por haver tanta coisa nova a nascer e a acontecer, seja encontrando outro sentido para o que fazemos hoje, sem mudar o formato. O que me parece que não podemos fazer, é meramente "tolerar" 8 horas por dia de algo que não nos diz nada, que não sentimos estar a ajudar ninguém, que não alinha minimamente com quem somos nem com o que acreditamos ser importante e que, no fundo, nos limita a identidade pessoal por vida da profissão.
 
 
Já dizia o sábio António: "Muda de vida se não vives satisfeito... muda de vida se há vida em ti a latejar..."
 
 
 
 
Gonçalo Gil Mata
 
 

 

4 comments
Sérgio Azevedo
Muito bom, obrigado.
in 2015-09-14 00:48:17
Manuela Alves
Há muito que não lia nada de ti e há muito que nada sei da tua Mãe de quem tive de privilégio de ser colega Pergunta~lhe se se lembra de mim e, se se lembrar, da-lhe o meu mail Adorei o teu texto.
in 2015-09-12 06:25:44
Rita
Não somos o que fazemos.

Mas desde pequenino que nos perguntam:
"O que queres SER quando fores grande?"

:)
in 2015-09-11 16:34:47
Ines
brilhante este texto! Obrigada pela partilha. Faz-nos pensar a sério nesta questão de identificação... Acho mesmo que cada vez mais vivemos um papel, esquecendo o nosso SER mais verdadeiro.
Muito beijinhos, Goncalo. Gosto de te ler.
in 2015-09-11 14:24:08
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