O TEMPO QUE A VIDA TEM
ARTICLES • 10-12-2014
O TEMPO QUE A VIDA TEM

Pushkar, INDIA


 
 
Toda a gente sabe que a vida é curta mas o dia é longo. Que são dois dias e um já passou.
 
 
Vivi muitos anos da minha vida a achar que era assim, curta a vida, correndo para a apanhar. Só que não é. Ou melhor, pode não ser. Pode ser comprida. Muito comprida, mesmo. Finita, é certo, mas comprida.
 
 
Isso nota-se quando tomamos decisões a pensar que é curta e anos depois vemos que ainda aí está o resultado, e para ficar... Quando em tempos tratamos alguém de determinada maneira, bem ou mal, e sem falta dando tempo ao tempo lá acabaremos por nos cruzar. Nota-se quando muitos anos depois voltamos a sítios onde passamos muitas horas e horas, uma antiga escola, uma antiga casa da avózinha, onde ainda reconhecemos detalhes requintados de uma cor, um feitio, um manípulo, a rugosidade de um parapeito tão conhecido... e vemos que foi num pedaço muito longe de uma longa vida com muitos trechos.
 
 
Não é por nos ser tão fácil lembrar como era há muito tempo atrás que passou menos tempo. Não é por a nossa mãe se lembrar, como se fosse hoje, o dia em que nascemos, que se passaram mais ou menos dias desde então. Dias longos. Dias compridos de uma comprida vida.
 
 
Apanhei-me a comer uma bolacha maria com queijo, coisa que já não fazia há muito, e o momento durou imenso. Que intensidade, que prazer, que êxtase! A textura, a combinação, o partir da bolacha na macieza do queijo, cortado parvamente numa lomba irregular, numa sensação ampla, completa, dedicada. Do ridículo do momento nasceram muitos minutos, vomitou-se tempo que não se conta pelo relógio, porque se fez devagar, a uma velocidade lenta, paralela.
 
 
É aí que vemos como a vida pode ter tamanhos tão diferentes num mesmo calendário. E que ao pensarmos que curta é, corremos o risco de atropelar minutos uns atrás dos outros, na ânsia de chegar onde achamos que queremos chegar, numa corrida a que falta mergulhar, entregar, sorver, disponibilizar.
 
 
E vemos ainda que no medo de arriscar fazer diferente se faz sempre igual e, céus, como isso acelera os ponteiros!! Como a rotina nos engole horas invisíveis... Como depende da diversidade o tamanho da vida!!...
 
 
Conceito tão sem sentido esse do tempo, sempre ameaçando acabar, acenando o fim certo que aí vem, mesmo se distante. Que isso não seja problema. Sintamos que o tempo é só tempo, e que a verdadeira promessa de infinito vive da coragem de entregar alma ao momento.
 
 
 
Gonçalo Gil Mata
 
 

 
 
TIME THAT LIFE HAS
 
Everybody knows life is short but the day is long. That it's two days and one's already gone.
 
 
I lived many years of my life thinking like this, life being short, always running to catch it. Only it isn’t. Or better, it may not be. It can be long. Very long, indeed. Finite, it's true, but long.
 
 
That shows when we make decisions thinking life’s short and years later we see the result is still here, and enduring… When once upon a time we treated someone in a certain way, well or badly, and, surely, if we give time to time, we will end up meeting again. That shows when, many years later, we return to places where we spent lots of hours and hours, an old school, a granny’s old house, where we still recognize those fine details of a color, a shape, a doorknob, the roughness of that well-known windowsill… and we see that that happened in a far-off piece of a life with a lot of pages.
 
 
It’s not because it’s so easy to remember how it was so many years ago that less time has passed. It’s not because our mother remembers, as if it was today, the day we were born, that more or less days passed since then. Long days. Long days of a long life.
 
 
I caught myself eating a biscuit with cheese, which I didn’t do for a long time, and the moment lasted forever. What an intensity, a pleasure, an ecstasy! The texture, the mixture, the biscuit’s breaking into the softness of the cheese, stupidly cut from an irregular bump, in a broad sensation, complete, devoted. From the absurdness of the moment lots of minutes were born, time that we cannot count by our clocks was vomited, just because it's made slowly, in a slow, parallel speed.  
 
 
And that’s when we see life can have so many different sizes in the same calendar. And when we think how short life is, we take the risk of running minutes over, one after another, eager to get where we think we want to get, in a race that lacks diving, delivering, absorbing, giving.
 
 
We also see that’s in the fear of risking doing different that we keep doing the same and, heavens, how that speeds the clock pointers!!! How routine swallows invisible hours… How life’s size depends on diversity!!...
 
 
Such concept without sense, that of time, always threatening to run out, waving that certain ever coming end, even if it’s far away. Let that not be a problem. Let us feel that time is simply time, and that the true promise of infinity lives on the courage of delivering soul to each moment.
 
 
 
Gonçalo Gil Mata
 

 

3 comments
Sofia Ribeiro
E que bela lembrança! Vou comer umas bolachas Maria com queijo!
in 2014-12-15 01:28:10
graca neves
adorei este texto muito bem escrito,pois tambem faco poesia.
in 2014-12-15 00:34:42
Francisca Brandão
Gostei de ler!
Reformulando a conhecida lengalenga...:
O tempo perguntou ao tempo quanta VIDA o tempo tem. O tempo respondeu ao tempo que o tempo tem tanta VIDA quanta VIDA o tempo tem.
:)
in 2014-12-10 11:47:32
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