RECLAMAÇÕES POUCO ECOLÓGICAS
ARTICLES • 03-06-2015
RECLAMAÇÕES POUCO ECOLÓGICAS

Hong Kong, CHINA


 
 
Num curto espaço de tempo, dois episódios caricatos aqui na vizinhança.
 
 
Num avariou-se uma mota, veio o reboque, estacionou em cima do passeio, deixando apenas o espaço suficiente para passar mal uma pessoa. Mas não havia outra hipótese. Em breve uma senhora, incomodadíssima por não poder passar com os dois sacos que levava nas mãos, desata a barafustar, que não podia ser, que não tinha jeito nenhum, e que se fosse a passar numa cadeira de rodas queria ver como era. Nem 15 minutos esteve lá o camião.
 
 
Pouco depois, em pleno Sábado, uma equipa de profissionais montava um andaime na fachada de um edifício. Ora, no início da montagem, até estar pronto o "túnel" para os transeuntes, fica vedado o passeio. Nem 15 minutos durou a operação, mas foi o suficiente para vir um senhor muito mal encarado a reclamar que não podia ser, que não tinha jeito nenhum, e que queria ver como era se alguém fosse atropelado a contornar a obra, ou se fosse a passar numa cadeira de rodas.
 
 
Fico, como julgo todos ficarmos, irritadíssimo por ver o desplante com que tantos ocupam selvaticamente os passeios. E reclamo certamente, porque acredito sermos todos responsáveis por zelar pelo aspeto normativo da conduta social, e pela mensagem cultural do que achamos estar certo ou errado. Mas desta vez não estou a reclamar com os que estacionam mal. Estou a reclamar com quem manda vir por tudo e por nada, só porque sim, sem a mínima sensibilidade para perceber que aquelas pessoas estavam a trabalhar e, embora até bastante sensíveis ao incómodo que estavam a causar, não podiam fazer o seu trabalho de outra maneira. Não podiam prestar o serviço ao seu cliente de outra forma. E parece-me importante estarmos atentos a isso. Porque não está bem mandarmos vir uns com os outros só porque o nosso pedaço de mundo foi beliscado, sem analisar se isso se deve a desrespeito ou desconsideração, ou simplesmente porque o mundo tem limites e tem escassez de recursos, recursos esses que temos o dever de saber partilhar.
 
 
Há que fazer parte de uma comunidade que se preocupa com o próximo. Que compreender o outro. Há que dar o jeito. Há que flexibilizar. Para que tudo funcione melhor. Para não submeter a interação inteligente entre pessoas a meros processos normativos estupidificantes. Para gerar ecologia, naturalmente. Da mesma forma que podemos esperar um pouco na passadeira para deixar seguir um autocarro cheio de gente. Um autocarro que vai consumir muitos travões e pneus e estrada e muito combustível a recuperar a velocidade. Se temos direito a passar primeiro? Claro que sim. Se é ecológico e civilizado usar esse direito sem olhar a meios? Não me parece...
 
 
Oxalá não queiramos viver num mundo tão fantástico e certinho que nunca devemos favores. Onde cada um vive tão satisfeito na sua bolha intocável, tão auto-suficiente, que já não precise que mais ninguém seja simpático, por tudo se reduzir a regras. Onde não se toca ao vizinho por faltar uma cebola para o estrugido. Oxalá isso nunca venha a acontecer, porque o homem é um animal social, e a força do clã nasce da preocupação mútua, da sensibilidade mútua, da vontade mútua de contribuir para o todo. E isto é tão importante na sociedade como em casa ou nas empresas.
 
 
Parece ingénuo, eu sei, mas partamos de vez em quando do princípio positivo de que cada um está a dar o seu melhor... porque muitas vezes está mesmo!
 
 
 
 
Gonçalo Gil Mata
 

 

2 comments
Rita Gil Mata
"Oxalá não queiramos viver num mundo tão fantástico e certinho que nunca devemos favores. Onde cada um vive tão satisfeito na sua bolha intocável, tão auto-suficiente, já não precise que mais ninguém seja simpático, por tudo se reduzir a regras. "

Pois, vivi isto na Suécia...
in 2015-06-05 17:15:55
Carmen
Um contributo com uma história que presenciei.

Um autocarro parou PRECISAMENTE em cima da passadeira porque entretanto o trânsito entupiu e o SEU sinal ficou vermelho.

Um senhor, que acabara de chegar à mesma passadeira, barafustou vivamente à janela do motorista porque ELE ESTAVA NA SUA PASSADEIRA, o seu espaço, para passar no SEU sinal verde.

São perspectivas...do umbigo, e do todo.

P. S. O motorista olhou passivamente para o transeunte furioso e terá pensado consigo "just another day at the office"...
in 2015-06-03 18:37:03
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