RUMO SEM RUMO
11-10-2016
RUMO SEM RUMO

Amazonia, BRAZIL


 

Era uma vez uma jovem árvore que morava numa floresta muito densa. Vivia preocupada com as suas decisões e com o seu futuro no meio de todas aquelas árvores. Era evidente que, ao crescer, iria encontrar obstáculos: os ramos enormes do Sr. Eucalipto que vivia mesmo ao seu lado, a frondosa copa da Sr. Cameleira, também sua vizinha, entre dezenas de outras árvores.
 
 
De uma forma geral, o seu constante tormento era saber que, em todas as pequenas decisões sobre como posicionar o crescimento dos seus ramos, a partir do momento em que virasse cada um deles para a esquerda ou para a direita não mais poderia voltar atrás. Vivia pesarosa com este pensamento, sempre de semblante carregado, taciturno e alerta, na constante eminência de mais uma catastrófica necessidade de decidir rumo e de um possível arrependimento mais tarde.
 
 
 
Certo fim de dia pousou nos seus ramos um mocho sábio.
 
- Mas que semblante tão carregado, minha jovem árvore. Parece que carregas nos ombros as preocupações do mundo. Que se passa? Corre-te mal a vida?
 
- Humm... não. Na verdade não me posso queixar. Mas nunca se sabe o que aí vem! Neste momento , por exemplo, preocupa-me aquele enorme ramo ali... como vou eu contorná-lo quando crescer e lá chegar?
 
- Bem - disse o mocho olhando para os ramos da árvore, elegantemente entrelaçados noutros -, o que fizeste quando passaste aqui por este?
 
A árvore suspirou e disse:
 
- Esse... esse foi uma decisão terrível! Noites e noites de ansiedade, sem pregar olho. E no próprio dia em que finalmente fui obrigada a decidir, arrependi-me e temi o pior. Entrei numa profunda depressão, julgava que tinha deitado tudo a perder.
 
- Mas acabou por correr bem, parece-me, não?
 
- Para já sim, mas... a verdade é não posso sossegar já! Quero dizer, tudo isto tem consequências inimagináveis! Agora até parece bem resolvido, mas ainda posso perfeitamente vir a concluir mais tarde que foi uma decisão errada...
 
- Árvore, deixa-me fazer-te uma pergunta: o que é para ti ser feliz?
 
A árvore refletiu um momento, o tempo de uma inspiração mais tranquila, e respondeu:
 
- Hummm... não sei bem, acho que é conseguir sossegar e viver com tranquilidade, e ir realizando aquilo que é ser uma árvore. Não sei. Aproveitar a vida, acho. Um dia todos morreremos...
 
- E isso significa tomar todas as decisões acertadas?
 
- Se eu não decidir bem, como poderei ser feliz?...
 
- Não achas que corres o risco de chegar ao final da tua vida e perceber que afinal correu tudo bem e que desperdiçaste muita da tua possível felicidade numa preocupação excessiva? Pensa nisso...
 
 
O mocho partiu e a árvore ficou pensativa. Estaria a desperdiçar a sua vida com o seu permanente estado de alerta, e um eterno receio de escolher mal?
 
 
Uns meses mais tarde, voltou o mocho a poisar num ramo da árvore a conversar um pouco. Ele conseguia ver que a árvore sofria. Estava algo desequilibrada, ramos torcidos, descuidados, aflitos com espaço. Como se naqueles meses a árvore tivesse crescido "aos trambolhões".
 
- Olá árvore, pareces triste, então que se passa?
 
- Não sei. Não compreendo. Fiz o que tu disseste: resolvi nunca mais tomar decisões, e o caos apoderou-se do meu mundo... Parece que tudo corre mal!
 
- Mas... eu não disse que não tomasses decisões. Disse-te que o sofrimento que lhes associas te poderia estar a limitar a tranquilidade e a capacidade para usufruir de tudo o que já tens.
 
- Ohhh... mas como é isso possível? Para decidir bem tenho obrigatoriamente que me preocupar. Para não me preocupar, suspendi as decisões! E tudo correu mal! Não compreendo nada...
 
O mocho sorriu de forma tranquila e sábia.
 
- Árvore, as situações que se te apresentam são parte inevitável do teu mundo. Não lhes podes fugir. Mas aprender e arrepender são bem diferentes. É o medo do arrependimento que te faz sofrer.
 
Esperou um momento e depois acrescentou:
 
- Cada um de nós é um dançarino neste grande baile. Se pensares demasiado cada passo, não vais conseguir libertar atenção para te deixares invadir pela música, nem vais saborear a fluidez dos movimentos. Se por outro lado resolves parar com os teus passos, vais esbarrar-te com tudo o que te rodeia, porque o mundo sempre avança, mesmo sem ti.
 
- Oh! Quero muito sentir-me a fluir como dizes, mas eu não sei fazer isso! Não consigo dançar assim, livre e despreocupada...
 
- Bem, é que não é uma coisa de se "conseguir". É uma coisa de se "deixar" acontecer...
 
O mocho fez uma pausa para que árvore digerisse aquelas palavras. Depois acrescentou:
 
- Viver em sintonia com a tua música interior não é uma habilidade tua. Já nasceste assim programada. Só precisas de deixar que todo esse ruído mental se acalme um pouco para escutar também essa origem. Oriunda de onde, confesso que não te sei dizer, mas sei que habita numa sensação porventura pouco habitual e muito serena. Algo diferente. Procura por algo diferente!
 
 
Enquanto via o mocho partir, a árvore deu um longo suspiro e sossegou. Por alguma razão, qualquer coisa naquelas palavras a transportara para uma serenidade diferente. Sossegou de uma forma que nunca tinha sossegado antes. Sentiu, sem saber de onde vinha, poisar-se-lhe a alma num terreno tão seguro, tão seguro, que mergulhou numa paz como nunca antes na sua vida. Tudo à sua volta lhe pareceu volátil, em torno de um eu sólido e intocável. Um eu conectado com tudo o resto.
 
Sorriu com a sua conclusão: estou aqui, sempre estive aqui, estou em casa e ao mesmo tempo em evolução...  Pertenço a tudo isto!
 
Estremeceu por dentro, como sempre acontece neste momentos, e chorou, comovida pela simplicidade de tudo...
 
Olhou para o mocho, esvoaçando ao longe, olhou para todas as árvores à sua volta, e para a beleza imensa do rio próximo. Sentiu o pôr-do-sol entranhar-se na pele, intenso, lento, dilatando aquele momento no tempo, pintando-lhe as folhas de um brilho inédito, e, com lágrimas a turvar toda aquela paisagem e a voz tremida, disse alto, sem saber para quem:
 
- Obrigado!
 
 
Nos dias seguintes a árvore voltou a ser árvore, um pouco inquieta aqui ou ali com algumas decisões, mas sabendo melhor escutar essa orientação de dentro, e sempre voltando à memória firme daquele instante, onde viu que, na verdade, entre todas as opções e consequências, tudo correrá bem...
 
 
 
 
Gonçalo Gil Mata
 

 

1 comment
laura Fonseca
obrigada Gil por esta linda história de compaixão, serenidade e harmonia. Bjs
in 2016-10-11 18:44:39
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