Porsmork, ISLÂNDIA
Estou a ir bem?
Esta pergunta parece merecer, para o comum dos mortais, uma constante atenção. Todos queremos portar-nos bem, mas... como se responde a isto? Onde se mede tal grandeza? Estaremos a fazer o que é suposto? Estaremos a cumprir com o grandioso plano mestre que nos deverá aproximar do bem-estar eterno? Estaremos a seguir as regras que vamos estabelecendo, incrementadas a cada passo, com vista à construção do grande GPS da vida? Estaremos a seguir as recomendações de todos os sensatos que nos rodeiam, e que supostamente querem o nosso melhor, mesmo não podendo saber o que é viver cá dentro das nossas cabeças?
Estaremos a ir bem? Estaremos a prever o inevitável diálogo com o barqueiro, e as ameaçadoras chamas do demo? Espera-nos o paraíso? Temo-lo aqui na terra? Como se responde a isto de estar ou não a ir bem?
Sinto que dedicamos importante energia a clarificar melhor estes critérios. E, pessoalmente, parece-me tempo bem investido. Afinal de contas, saber que se está a ir bem significa serenidade. Significa sossego. Significa rumo. Significa propósito e direção. Significa usufruir da viagem com outro olhar. Eu durante muito tempo acreditei que depurar estas heurísticas, o seu mapa de estradas e as suas pontuações relativas, fosse o supremo exercício existencial. Cada vez melhores métricas, cada vez melhores regras, cada vez melhores práticas. No fundo, cada vez melhor comportados.
E acreditei, e acredito, que boas escolhas implicam clarificar, por entre tantas e tantas regras - muitas em claro conflito entre si -, o que é realmente importante na nossa vida. Destrinçar entre processos mentais voláteis passageiros, e valores fundamentais. Distinguir entre controlar o centro do tabuleiro e o xeque-mate. Este é o mundo das escolhas. E onde essas escolhas são da minha responsabilidade. E onde o trabalho de melhorar o computador que calcula opções e estratégias, é um trabalho nobre, por ser o computador mais valioso das nossas vidas. O grande GPS interno das decisões.
Mas... e se não fossem as nossas escolhas assim tão nossas? E se outro mapa global já fizesse todas as contas por nós, da forma mais natural e saudável, sem qualquer esforço? E se a nossa responsabilidade fosse meramente a de nos conectarmos com essa inteligência suprema, e sabermos escutar a direção certa, que já lá estava antes sequer de pensarmos nela?
E se, da mesma forma que seria algo tolo avaliar se o Rio Douro está ou não a ir bem, pudéssemos igualmente suspender esse juízo da nossa própria vida? E se, por estarmos mais ligados a esse todo - que magicamente nos cria esta complexa e ainda assim ordeira realidade -, o processo de decidir deixasse de ser tão nosso? Será essa realidade, tão cheia de múltiplos mecanismos de sabedoria e equilíbrio, todos eles automáticos, capaz de contemplar também esse nosso cálculo?
O que ficaria diferente, se não fizesse sentido perguntarmo-nos assim tantas vezes se estamos a ir bem? Seríamos capazes de encontrar em nós uma passada tão certeira como a rotação do planeta? Tão pouco manipulada que se constituísse meramente como consequência inata? Sem computador? Sem cálculo artificial de regras lógicas? Para onde está remetida essa aceitação suprema de apenas Ser, intrinsecamente livre, porque guiado por tão divina direção? No fundo, que feitiço nos tem separado dessa autorização de nos aceitarmos como parte do Todo?
Sabemos ser dúvida. Sabemos ser cálculo.
Saibamos também ser rio. Porque o rio vai sempre bem, sem o confirmar a cada curva.
Gonçalo Gil Mata