Tendrara, MOROCCO
Já lá vai. O maior dia do ano foi-se. Agora é sempre a descer. E isso dá-me todos os anos uma certa sensação de perda. Uma espécie de tristeza de ser Domingo. Claro desperdício, é certo, porque afinal Domingo ainda é fim-de-semana. Mas nunca é tão bom. Domingo anuncia o fim. Pois os dias a mingar também me anunciam um fim.
Por mim era sempre Verão. Talvez um dia ou outro de frio, no Natal, dando chance ao cheiro a lenha, e bastava.
O Verão ainda está todo aí, inteirinho, ou quase, pronto a consumir. Mas a verdade é que hoje já não foi o dia tão longo, e mais pequeno será o de amanhã. As noites quentes, se as houver, já nunca serão as abafadas dos primeiros calores que sempre espantam. As do Verão ficam sempre a dever à promessa. Terão sempre no fundo o medo de se poderem estar a acabar.
É o costume. Antes da festa ainda tudo vibra na possibilidade. Todo o fogo da ponte à espera de estourar, como será o deste ano? Abre-se o chocolate, inteirinha a tablete primeiro, e logo a seguir já se foi meia. Em breve contamos os quadradinhos na fileira que sobra e sem sabermos já aí está o fim, incrédulos com o vazio da embalagem, restam migalhas a lembrar o sabor que já foi. De manhã os copos vazios entornados pelos cantos, a maquilhagem borratada, já alguns varrem as sobras da folia à luz do dia, a cabeça retornando ao desencanto da realidade, outra vez básica, por entre o último álcool que ainda arrasta a voz, ainda entorpece movimentos, mas já não engana ninguém. Acabou-se a festa, para o ano há mais. A fruta que não se colheu amadureceu demais, e do doce nasce a podridão.
Sinto escorrer-se-me a vida pelos dedos, como sempre. Só que eu não sei bem contar quantos quadradinhos faltam. Será muito? Será pouco? Muito menos sei o sabor desse chocolate por provar, se será apenas mais do mesmo... que ainda assim já não é mau.
Resta-me a convicção de que com o tempo nos cresce um talento especial com que vamos absorvendo a nossa fatalidade. Esse fim anunciado, ora mais distante, ora esbarrando-se de frente, de caras, como um camião, mas também ele apodrecendo no seu terror refinado que assusta cada vez menos, se vamos aproveitando a vida como nos é pedido, fazendo a nossa parte.
Sim, mingam os dias. Sim, em breve é Outono. Sim, a vida sempre se acaba um dia. Mas, para já, agora mesmo, hoje, e durante um quarto de ano, temos uma tablete inteira de Verão para saborear! Dancemos pois o bailarico enquanto tocam as concertinas...
Gonçalo Gil Mata
P.S: Vem aí o REINVENTION DAY 2015 (17JUL). Veja aqui mais informação.
Lindo texto. O que importa é saber disfrutar do agora, do sabor doce desta vida. Também nunca sei se vou a meio da tablete, no fim ou no inicio... Mas cada vez que me permito saborear o momento, consigo sentir- me intemporal! Beijo grande e continua a escrever assim...