VOLTA O TEMPO DAS HORAS
ARTICLES • 11-09-2017
VOLTA O TEMPO DAS HORAS

 



Para a maioria, foram-se as férias. Foi-se o tempo sem relógio. Volta a pressa, volta o mais rápido possível, volta a otimização, e volta a escassez de um fim-de-semana curto que nunca mais chega, e que, quando chega, nunca chega.
 
Tantas horas a trabalhar. Por semana, 35, 40, 50, 60... Produzir, produzir, produzir. Mais e mais. Precisaremos assim de tanto produto, tanto serviço? Não o trocaríamos de bom grado por algum tempo extra, dos baratos? Dos pacíficos, simples, gratuitamente ao sol, na praia ou a passear a pé ou de bicicleta, se o queremos sem gasto, abastecendo puro combustível de alma, de painel solar mental ao arejo...
 
 
E essas tantas horas de tantas pessoas em tantas empresas... quantas vezes essa prisão se reveste de ineficiência... ou porque o processo está mal pensado, ou porque nem todos temos de saber de tudo, ou porque a reunião não serviu para nada, ou pela redundância, ou pelo re-trabalho, ou por uma simples ilusão de que as pessoas trabalham melhor se forem controladas, e então vêm os rios de informação e relatórios e reporting: o trabalho de gerir a gestão que gere os gestores, tudo tão distante de ajudar o cliente, mas aparentemente inevitável, monstro voraz de tempo inútil...
 
 
E, vai da cultura, sempre fica bem sair depois do chefe, às tantas, mostrando empenho e dedicação, e às 20h30 ao passar na via rápida ainda vemos nos edifícios de escritórios as luzes bem acesas, iluminando o caminho, lembrando as mulas carregadas a subir Santorini desde o porto naquela ladeira infinita... mas quanto desperdício se passou durante as horas da manhã, quantos e-mails inúteis, quantas reuniões desnecessárias, quantos pós-almoços escorregadios a deixar fugir o tempo que fará falta às crianças mais logo? ao núcleo família? à saúde? à tranquilidade de sair realmente às 18h00 para que ainda se saboreie o fim do dia, esticando as pernas no sofá de livro na mão, ou num ginásio revigorante, ou numa simples volta ao quarteirão com os miúdos até ao parque que tem escorrega...
 
E os horários das crianças, nas escolas, a ir pelo mesmo caminho, cada vez mais ensinar mais em menos tempo, tantos livros a pesar na mochila que até assustam os ortopedistas, mil TPCs a roubar-lhes o tempo de ser criança... onde está a liberdade para brincar na rua, para tocar à casa do vizinho à descoberta, para a verdadeira aprendizagem de vida e amigos?...
 
 
Que se passa com este nosso tempo, que tanta parte destas horas se esbarram contra nós mesmos?... E que explosão não virá aí quando estas novas gerações romperem com toda esta escravidão e reivindicarem apenas mais viver, mais valor, mais férias, mais horas, mais utilidade, mais contributo direto, mais simples, mais saudável, mais ecológico, mais sustentável, mais forte, mais sólido, com mais sentido? E abandonarem as empresas que não percebam que tempo é vida, e que teimem em manter a matriz retrógrada das 40 ou mais horas por semana, e dos 22 ou menos dias de férias por ano, como se vivêssemos no século passado, ou naquele antes desse... sim, claro que houve evolução, mas parece ter estagnado... e sente-se estar para vir uma autêntica revolução... uma urgente e galopante, não este manso passo com que se vai toureando o monstro das horas de trabalho.
 
Provavelmente está para chegar o tempo do mais por menos, para muitos mais de nós. Mais vida por menos esforço, menos consumo, menos produto, menos quantidade, menos dinheiro. E a justa descoberta de que é na disponibilidade mental para cada instante que ampliamos a experiência, não em toda essa suposta produtividade que parece hoje mandar na bússola.
 
 
Pois nesse amplificador de existência, acredito eu, encontraremos outra serenidade de fluir com mais liberdade, e outro tempo...
 


 

 
 
 
 
 
 
Gonçalo Gil Mata
 
 
 

 
(Foto: Santorini, GRÉCIA)
 
 
 

 

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