A LIBERDADE DE NÃO TER QUE SER FELIZ
ARTICLES • 09-06-2016
A LIBERDADE DE NÃO TER QUE SER FELIZ

Ruína de São Paulo, MACAU


 

Acompanha-nos desde sempre. A intenção, a obrigação, o norte: tens que ser "feliz"!


Há o argumento de não haver insert new coin. Há o peso da responsabilidade de sermos o exemplo que os filhos vão seguir. Pode até haver alguma expiação de pecados de progenitores ansiosos por verem, nas suas crias, corrigidas todas as suas supostas asneiras existenciais.


Há os anúncios perseguidores, omnipresentes, rádio, tv, jornal ou youtube, a esfregar-nos na cara como é fácil, e qual é a fórmula: o carro, a casa, o crédito, o gelado, tudo o que sempre sonhaste. Persegue o teu sonho! E vem o sorriso, sem vergonha, de uma família de atores felizes, a venderem o que há a fazer, e de que marca deve ser o tal sonho, nosso, ou deles? A insultar-nos de idiotas uma e outra vez, por não aproveitarmos uma oportunidade única e irrepetível. Não perca! Perder faz medo e medo move. Vale tudo.


Pais, avós, irmãos mais velhos, professores primários, catequeses e que tais. Porta-te bem, sê um bom menino, isso não se faz, o que queres ser quando fores grande? Tens de saber. E os coleguinhas da escola o que vestir, o que dizer, o que fumar.


Com essas notas não vais longe. Tens que te esforçar, disciplinar, ajustar, trabalhar, adaptar, submeter, ritmar, anular. Tens que ser alguém, ganhar, vencer, comparar, ultrapassar. Corremos, galgamos, ansiamos: quantas medalhas serão precisas? Ignorando que nunca serão suficientes.



Todos têm instruções para nos dar, na garimpa da felicidade. A essas somamos as nossas: nunca mais voltas a fazer isto, isto não pode ser, esta doeu, és tão estúpido, como foste cair outra vez, mas como é que não aprendes? As pessoas são más, a vida é difícil, o que é bom acaba depressa, esta vida são dois dias. Tens que ser mais isto, menos aquilo, melhor, mais válido, que vergonha, o que foste fazer, o que foste pensar!...


Cresce o manual de instruções. Tanto dele velho, caduco, mas aferroadamente válido enquanto lei. É por ali e por aqui, e por acolá também. Tudo ao mesmo tempo! Tanta ordem, é lá possível que não entre tudo em conflito entre si? É por onde mesmo, afinal?


E a cada tropeção, mais fórmulas, mais certezas, mais planos e estratégias. Sem ver que, no espaço ocupado por todo esse baile, no justo palco de tanta dança, descansa o sítio que sempre nos leva de regresso à origem e à paz.


Apenas por minutos, calem-se as ordens. Sosseguem as instruções. Surdem-se as críticas e as eternas melhorias. Durmam os raspanetes e todos esses sermões auto-encomendados.


Silêncio. Ouçamos. Toca a arredar o pé. Toca a chegar para trás. Cresça esse círculo de espaço onde ainda agora tudo fervilhava de intenção e perseguição e regras e ditos e leis. Cessem essas aclamadas certezas, pobres e vazias, despojos de mais um plano falhado, eterno mapa sem tesouro.


Vejam bem. Uau! Estava mesmo aqui debaixo. Não se dava por ela, tamanha era a algazarra e a corrida. Mas agora que vemos... aqui mesmo no meio, neste centro que se abre... justamente aqui, no sossego da liberdade de não ter que ser "feliz", poisa a tão perseguida borboleta.

 

 

 

Gonçalo Gil Mata
 


 

1 comment
Leonor Pizarro
Gostaria de saber informações sobre a formação, nomeadamente preços de inscrição e participação.
in 2016-06-13 15:47:42
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