Chinguetti, MAURITANIA
É realmente difícil competir com um feed de notícias, com um iPad, com um email, com novas mensagens ou joguinhos no telemóvel.
De vez em quando, vem-me um sentimento ingrato e infantil de precisar de atenção, se à minha volta está tudo mergulhado no écran. E parte disso, é apenas infantil, défice puro de colo, uma espécie de ciúmes de um irmão mais novo.
Mas parte não é. Parte é uma sensibilidade mais madura de que é preciso alguma consciência social e afetiva que nos meça se o estímulo tecnológico não nos está a afastar. Se uma tarde de domingo em que acordamos cedo e estamos refastelados na preguiça de apenas estar, tem mesmo que seguir o vício de sempre do ipad na mão, desses écrans que nos perseguem sem misericórdia.
Há dias em que desejava voltar ao passado. Ao tempo em que tocávamos às campainhas uns dos outros a perguntar que estava o João em casa. Em que passávamos horas ao telefone, numa posição incómoda a lutar contra o limite do fio. Dedicados. Exclusivamente dedicados. Em silêncio, também. Essencialmente: lá!
Compreendo o mundo incrível dos pixeis e dos conteúdos infinitos, alguns deles mesmo muito muito interessantes, embora no meio de montão gigante de lixo sem valor. Compreendo que uma criança de ano e meio seja profundamente magnetizada por estes écrans coloridos e extasiantes, com bonecos cativantes, musiquetas de ruca que ficam no ouvido, imagens que reagem quando são tocadas. Irresistíveis.
E, se não os queremos viciados nisso, que exemplo estaremos a dar?
Antes queixava-me da televisão. Hoje já penso que, pelo menos, aí há a promessa de partilha: o mesmo écran para todos...
Compreendo que no metro, no café à espera, sempre dá jeito essa companhia virtual. Entretem, ocupa, anima, ensina, atualiza. Até compreendo que, com tão pouco tempo para socializar, pelo menos por ali sempre se acompanha a novela da vida de cada um, sem ficarmos excluídos quando nos raros jantares de grupo se ouvem comentários aos feitos facebuqueáveis uns dos outros.
Mas não façamos destes úteis brinquedos barreiras invisíveis contra a ligação, o estar, a afinidade, a afetividade. Não gastemos todos os gestos nesse écran tátil. Esses toques subtis fazem-nos falta no corpo do outro, para criar ligação. Quando o primeiro gesto, rotineiro, habitual, automático, é verificar mensagens, é avaliar mais novidades no feed, é antes de tudo o resto mergulhar solitariamente num qualquer écran, é pouco expectável que consigamos fortalecer relações. É pouco expectável comunicar disponibilidade. Torna-se pouco convidativo a uma conversa espontânea, a um mimo não previsto, a uma sintonia de estados. Por cada um estar no seu.
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