Mekong, VIETNAME
A vida tem altos e baixos. Isto parece-me um facto do universo. Uma constante. Como a lei da gravidade, algo que está lá e pronto. No entanto, da mesma forma que um avião desafia alguns princípios gravíticos, também nós procuramos, com grande criatividade e resiliência, uma receita que possa evitar os baixos da vida. Uma vida só de altos, isso é que era! Nesse sonho vivemos... nesse projeto nos cansamos.
Claro, de vez em quando os baixos são muito baixos e por muito tempo, o que é terrível. E alguns altos são tão curtinhos que quase não sabem a nada, o que também é pena. É no mínimo lógico que queiramos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para regular a coisa a nosso favor.
Porém, aparentemente, os interruptores e comandos do barco não respondem propriamente aos nossos desejos. Bem que gostaríamos, mas simplesmente não funciona assim. Em particular, nos períodos prolongados em que as coisas não vão bem tentamos recorrer a todas as fórmulas e sabedorias que colecionámos vida fora. Tentando a receita que já funcionou no passado. Inconformados com o resultado, perguntamos: que raio estou a fazer de errado? Eram estes os ingredientes! Onde me enganei? Porque não está a funcionar o truque de sempre? Onde pára aquele atalho do caminho, a porta mágica para passar para o outro lado? E de facto há alturas em que, mesmo recorrendo às mesmas circunstâncias - sejam elas férias, projetos, sucesso, amor, compras, drogas, chocolate ou quaisquer outras - não conseguimos reproduzir experiências passadas de bem-estar.
Julgo mesmo que essa própria busca desenfreada por repetir uma fórmula antiga bem sucedida pode bem ser motivo que chegue para o prolongamento de um estado mau. Como acredito que se a cada momento de felicidade nos perdermos a anotar ingredientes e passos da receita, igualmente o resultado é negativo. Porque em ambos os casos, estaremos a querer controlar um barco que tem um rio próprio a percorrer. Com curvas e pedras, obstáculos e até cascatas. Ora sereno, ora picado.
Não queremos parar o batel. Não voltaremos nunca aos meandros passados. A fórmula é irrepetível. Curvas novas estão à nossa frente e a validade do que já funcionou expira a cada passo! Não há que remar para trás, travar, nem sequer abrandar. Há que remar em frente, navegando à vista, virando à esquerda e à direita conforme a maré, saltando quando for para saltar, lutando intensamente se disso for caso. Aproveitando a calmaria se lhe aprouver amainar, segurando com vigor o leme na tempestade.
Acima de tudo, como sempre, aproveitar a viagem. A adrenalina da remada, a espuma das ondas contra o vento, saraivando-nos a cara. Saborear com intensidade cada dor no corpo, de embalo entregue ao cansaço, sempre flutuando rio abaixo. Porque enquanto houver rio, cá estaremos para o navegar. Mas aceitando as novas águas que se espraiam à nossa frente, acolhendo o desconhecido que não cabe no que já soubemos. Sem receita, sem fórmula, que o mapa do passado é fraca bússola para o que aí vem. Trava, frustra e limita.
Bem sei que o desconhecido faz medo. Mas que alternativa temos? Navegar de olhos postos no que já passou? Digo eu: que venham as ondas, prefiro tomá-las de frente...
Gonçalo Gil Mata